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domingo, 21 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10552: O nosso livro de visitas (149): Vanda Silva, madrinha de guerra, procura o paradeiro do ex- alf mil António Augusto Oliveira Marques, CCAÇ 1684 (Susana e Varela, 1967/69)


Guiné > Região do Cacheu > CCAÇ 1684 (Susana e Varela, 1967/69) > Destacamento de Cassolol  >  "Deixamos lá este pequeno monumento dedicado à nossa Companhia,  "Pantera 1684", com os nomes dos nossos mortos" (Domingos Santos).


uiné > Região do Cacheu > CCAÇ 1684 (Susana e Varela, 1967/69) > Susana > Na casa do casal José Valente e Helena > "Aqui estamos no seu terraço a comer um petisco. Ao fundo, penso ser a sua filha, que segundo sei será hoje a senhora que tem a residencial Chez Helène em Varela" (Domingos Santos).


Guiné > Região do Cacheu > CCAÇ 1684 (Susana e Varela, 1967/69) > Susana > 1968 >  O Domingos Santos, ao meio, entre lutadores felupes e mais dois militares da CCAÇ 1684, por ocasião da festa do fanado. O Domingos Santos era amigo do João Uloma, que será mais tarde alferes comando graduado da 1ª Companhia de Comandos Africanos.

Fotos: © Domingos Santos (2011). Todos os direitos reservados


1. Mensagem da nossa leitora Vanda Silva


De: Vanda Silva [ myspym@gmail.com]
Data: 16 de Outubro de 2012 09:28
Assunto: Pedido de informações


É de louvar a criação do blogue para que a memória desse tempo perdure para as gentes vindouras que ficaram livres "daquilo". 

Fui correspondente ou madrinha de guerra (eu prefiro chamar-me apenas "uma amiga") do Alferes Miliciano dos Comandos que esteve colocado em Suzana de 1967 a 1968 e pertencia, salvo erro,  aos "Os Panteras" CCAÇ 1684 [ / BCAÇ 1912, Susana e Varela, 1967/68]

Gostaria de saber mais coisas sobre ele e, se alguém o conheceu , ficaria muito grata se me pudesse elucidar. 

O meu email é myspym@gmail.com e o meu nome Vanda Silva. 


PS - Por lapso, não escrevi o nome do Alferes: António Augusto Oliveira Marques. As minhas desculpas. 

2. Comentário de L.G.:

Vanda, obrigado pela visita e pelas suas amáveis palavras.  Gostaríamos que nos falasse mais desse seu papel de madrinha de guerra ou de amiga de um combatente da Guiné, nosso camarada. Tem o nosso blogue à sua disposição. 

Quanto ao António Augusto Oliveira Marques, não temos nenhuma pista que nos leve ao seu paradeiro. Ou melhor, temos um representante da CCAÇ 1684 no blogue,  o Domingos Santos.

O Manuel Domingos Santos, ex-Furriel Miliciano, esteve em Susana e Varela, na CCAÇ 1684/BCAÇ 1912, entre maio de 1967 e maio de 1969. Seguramente que ele conheceu o seu antigo correspondente e deve encontrar-se com ele nos convívios anuais da companhia. Veja se reconhece o seu amigo nas fotos do álbum do Domingos. Ele pertence a esta grande família, que é a Tabanca Grande, desde 7 de maio de 2011. Aqui tem o e-mail: domingossantos44@gmail.com

Desejo-lhe boa sorte nas suas pesquisas.  Saudações bloguísticas dos editores.
_____________

Nota do editor:
Último poste da série > 17 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10539: O nosso livro de visitas (148): Alfredo João Matias da Silva, ex-Fur Mil do Pel Rec Fox 3115 (Gadamael e Guileje, 1972/74) procura camaradas de armas

domingo, 29 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6909: Kalashnikovmania (1): Foi o Alf Graduado Comando João Uloma quem me emprestou uma Kalash (António Inverno)

1. Do  António Inverno (*) para o nosso co-editor Eduardo MR:

Amigo Ranger!

Li alguns comentários do nosso amigo Luís, da Dona Filomena, do  J. C. Carvalho, do Ranger Mexia, e alguns anónimos.

Já expliquei no texto que te enviei porque tinha uma Kalash, quando o Alferes João Uloma, que era comandante da 2ª Companhia dos Comandos Africanos, me a entregou com mais 5 Carregadores cheios. Experimentei-a, gostei dela e adoptei-a , e já que tinha de usar uma...

Resta dizer que no final em Setembro de 74 a devolvi ao Uloma, hoje bem arrependido estou, porque não precisava fazê-lo, mas enfim eram outros tempos .

António Inverno

Fábrica de Almeirim
Técnico de service desk local
Estrada Nacional nº 118
2080-023 Almeirim
Tel: 935101566

______________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:

3 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6820: António Inverno, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª e 2.ª Companhias do BART 6522 e Pel Caç Nat 60 – S. Domingos - 1972/74

28 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6801: O Nosso Livro de Visitas (97): António Inverno, ex-Alf Mil Cav Op Esp, S. Domingos, 1973, amante da "bela" Kalash

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2474: Cusa di nos terra (15): Susana, Chão felupe - Parte IX: Os indomáveis guerreiros felupes (Luiz Fonseca, ex-Fur Mil TRMS)


Guiné > Região do Cacheu > Susana > Junho de 1972 > Dia de ronco... dia da morte do comandante do PAIGC, Malan Djata, cuja cabeça foi cortada por elementos da população, felupe, após a sua captura na sequência de um ataque falhado ao aquartelamento de Susana.

Foto: © Luiz Fonseca (2007). Direitos reservados.


Guiné > Ilha de Bolama > Bolama > CCAÇ 13 > 1969 > O Dudu, à esquerda, e o nosso camarada e amigo Carlos Fortunato que, tal como o Luiz Fonseca, privou com (e tem uma grande admiração por) os felupes.

(...) "O recruta africano que surge na foto é Dudu, 2º comandante de um pelotão de milícias felupes, o 1º comandante chamava-se Ampánoa, cada felupe tem apenas um nome. Foram enviados para Bolama, para serem treinados por nós e integrado nas forças regulares, mas não irão integrar a nossa companhia, pois regressarão à sua região em Varela (região norte zona de Cacheu), no entanto contrariamente ao planeado, acabarão depois por integrar temporariamente a CCaç. 14, antes de irem para Varela.

"Adversários temíveis, os felupes possuem elevada estatura (a minha altura é 1,84m, e como se pode ver na foto ele é praticamente da minha altura),e grande robustez física" (...)


Foto e legenda: Carlos Fortunato > Guerra na Guiné - Os Leões Negros (com a devida vénia...)


1. Texto de Luiz Fonseca , ex-Fur Mil Trms, CCAV 3366/BCAV 3846 (Suzana e Varela , 1971/73), enviado em 5 de Janeiro último:

Caro Luis:

Vi algum tempo atrás Flags of our Fathers (Bandeiras dos nossos pais) [, o filme de Clint Eastwood]. Os primeiros 5 minutos do filme transportaram-me à nossa realidade. Quarenta anos depois aqueles ex-combatentes dizem, na película, que "... qualquer parvalhão julga que sabe o que é a guerra... sobretudo aqueles que nunca combateram... heróis e vilões não faltam, mas geralmente não são aquilo que pensávamos... só os seus companheiros podem testemunhar os seus feitos"

Perguntarás por que carga de água esta introdução e o tem que ver com aquilo que já escrevi em anteriores intervenções. As relações são, a meu ver, evidentes.

Os heróis e os vilões, sejam militares ou civis, não nascem por decreto nem tão pouco por meras conveniências de uma qualquer conjuntura.

Falei, ainda que superficialmente, do João Uloma (2). Herói para uns, vilão para outros. Mas esta personagem, foi apenas mais um guerreiro felupe, produto de uma ancestral forma de vida num mundo já bem próximo do século XXI.

Já referi que, para entender os Felupes, a sua forma de agir e de estar, era preciso, com alguma certeza, não só viver com eles como recuar alguns séculos. Eles aprenderam, a expensas suas, que a frase Honra aos vencidos nunca lhes foi aplicada.

Reagiram sempre a domínios locais, regionais e extra-continentais. Os portugueses no séc. XIX (Djufunco ou Bolor - 1879) e no séc. XX (Varela, Catões e Suzana - 1934), já o tinham comprovado.

Não tenho outro conhecimento que me ajude a avaliar quantos, quais e quando esse espírito de chão foi igualmente utilizado contra os vizinhos do Norte. Os do outro lado do grande rio (Casamance, em francês ou Casamança, em português) que se dizem muçulmanos, não djolas [ou diolas, em português; jolas, em francês]. Passo a exemplificar.

Os incidentes que vou citar ocorreram em 1972 (Abril/Setembro), entre a população de um grupo de tabancas fronteiriças (Cassolol) e elementos das forças armadas do Senegal, mais propriamente tropas pára-quedistas, as chamadas forças especiais.

Questões antigas, talvez com algumas dezenas ou mais que uma centena de anos dizendo respeito ao cultivo das bolanhas e seus produtos, à colheita de vinho de palma e a tentativa de ter temporariamente bajudas. De quando em vez alguém se lembrava de desenterrar o machado de guerra. Das vezes anteriores, que se saiba pela diplomacia felupe, tudo tinha ficado no campo das ameaças mútuas.

Desta feita tudo foi mais longe. A tropa senegalesa veio até à zona dos Cassolol para obter vinho de palma e os favores de algumas bajudas. Só que, como sempre sucedeu, os habitantes negaram-se a aceitar tais pedidos.

Pelo que me foi referido, a tropa senegalesa forçou a entrada na zona do palmal da tabanca, chegando a disparar sobre um dos recolhedores de vinho que se encontrava no cimo duma palmeira. A população destas tabancas, em regime de auto-defesa, portanto armada, reagiu. Estranhamente, tendo em vista o armamento utilizado (Mauser e arco e flecha de um lado, espingardas automáticas FN do outro), da troca de tiros resultou um saldo desfavorável aos intrusos que, além de muito material de guerra, deixaram no terreno seis mortos. A população sofreu dois feridos ligeiros, tratados pela tropa, sendo um deles o recolhedor de vinho que caiu da palmeira.

Quanto o nosso Grupo de Combate chegou ao local, não encontrou um cenário agradável. Estávamos em chão Felupe e, como referido em anteriores escritos, assim foram tratados os senegaleses, como invasores. Mais uma vez não houve prisioneiros, nem honra aos vencidos.

O que se encontrou foram seis corpos decapitados, embora soubessemos posteriormente que na retirada os paraquedistas senegaleses levaram mais cinco feridos. Claro que para a população a ocasião foi de ronco.

Em Bissau a notícia caiu como uma bomba. Havia conversações com o Senegal, reunião de alto nível em Cap [ou Cabo] Skirring (voltarei a esse assunto), e este incidente caía na pior altura.

Na noite seguinte novos confrontos se travaram. Os senegaleses flagelaram a povoação com morteiros a partir, agora, do seu território. Dir-se-ia que foi uma flagelação em rajada, tal a sequência de saídas e rebentamentos, perfeitamente audíveis em Suzana, distante alguns quiómetros. Cerca de uma hora foi quanto demorou o festival.

Era impensável, naquelas circunstâncias, sair em socorro da população pelo que foi decidido que logo que fosse possível, mínimo de claridade, se rumaria para o objectivo.

Quando da saída, estranhos pressentimentos acompanhavam os que foram escalados para o efeito. Felizmente que esses receios provaram-se infundados. A população, que face ao poder de fogo utilizado, deveria ter sofrido grandes baixas, não teve um único ferido. Quase que me atrevia a dizer, digo, que, na melhor estratégia de guerrilha, as morteiradas senegalesas bateram uma zona vazia, isto é, a população tinha-se posto a bom recato. Informação, suspeição, antecipação, inteligência, sorte, chama-lhe o que achares melhor.

Aproveitando a oportunidade foi efectuado patrulhamento ao longo do trilho dos marcos de fronteira, mostrando-nos ostensivamente, e nada foi detectado, nem sequer os restos mortais dos militares abatidos para os quais havia ordem expressa de serem recolhidos e entregues à autoridades senegalesas. Existiam apenas marcas de rasto de botas de quem veio por trilho e fugiu a corta-mato.

Foi-nos permitido, pela população, trazer os despojos materiais, como sendo uma honra concedida a poucos.

A diplomacia Felupe sempre funcionou, muito mais em circunstâncias que pudessem trazer benefícios. Situações houve em que a verdade apenas veio à luz do dia bastante mais tarde. Às vezes por mero acaso.

O ataque à tabanca de Elia, também em auto-defesa, em Setembro de 1971 é bom um exemplo. No dia seguinte ao ataque a informação recolhida foi de que não tinha ocorrido nada de especial e que os homens do PAIGC, não conseguindo entrar na tabanca, tinham fugido causando apenas um ferido de média gravidade que conseguiu fazer a pé a distância entre Elia e Suzana e que, quando o médico verificou o seu estado, decidindo evacuação para Bissau, diria Bissau nega, cose indicando gestualmente tal acto. A sua chegada coincidiu com a saída do Grupo de Combate que iria verificar o que se havia passado.

Veio a saber-se, um ano após, que as coisas não tinham corrido bem assim e que os nossos inimigos na altura deixaram no terreno mais de duas dezenas de baixas, de que na manhã seguinte, quando da chegada das NT, não havia qualquer sinal.

O que pretendo evidenciar, por agora, é o que está subjacente ao conceito de chão, não partilhado por outras etnias guineenses. Para os Felupes, o seu solo é inviolável. Podem não ter bandeira nem hino, mas têm pátria, terra que é sua e dos seus antepassados e que deve ser venerada e defendida porque faz parte da sua história, é a sua história.

Não ouso dizer se estão certos ou errados na sua forma de agir. Respeito-os, por muito mal que os seus rituais e crenças possam horrorizar o dito mundo civilizado (3).

As minhas desculpas por tão longa dissertação.

Nota: A foto diz respeito ao ronco da população, quando da morte de Malan Djata.

Kassumai
Luiz Fonseca
______________

Notas dos editores:

(1) Vd. último poste desta série > 6 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2410: Cusa di nos terra (14): Susana, Chão Felupe - Parte VIII: Onde se fala dum Tintin em apuros... (Luiz Fonseca)

(2) Vd. poste de 1 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2397: Cusa di nos terra (12): Susana, chão felupe - Parte VII: O guerreiro João Uloma (Luiz Fonseca)

Vd. restantes postes sobre os felupes, da autoria do nosso camarada Luís Fonseca (que reside em Vila Nova de Gaia):

15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2052: Cusa di nos terra (5): Susana, Chão Felupe - Parte I (Luiz Fonseca)

31 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2074: Cusa di nos terra (6): Susana, Chão Felupe - Parte II: Religião (Luiz Fonseca)

5 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2081: Cusa di nos terra (7): Susana, Chão Felupe - Parte III: Trabalho, lazer, alimentação, guerra, poder (Luiz Fonseca)

16 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2110: Cusa di nos terra (9): Susana, Chão Felupe - Parte IV: Mulher e Comunitarismo (Luiz Fonseca

6 de Outubro de 2007 >Guiné 63/74 - P2156: Cusa di nos terra (10): Susana, Chão Felupe - Parte V: Casamento (Luiz Fonseca)

25 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2215: Cusa di nos terra (11): Suzana, Chão Felupe - Parte VI: Princípio e fim de vida (Luiz Fonseca)

(3) Foram encontrados 5 registos sobre os felupes, num total de cerca de 200 mil, na base de dados bibliográfica Memória de África ® , da Fundação Portugal-África, Universidade de Aveiro:






[154540] Agência Geral das Colónias
Felupes / Agência Geral das Colónias. In: Boletim Geral das Colónias. - Ano XXII, Nº 252 (Junho 1946), p 104-106. Descritores: Guiné Portuguesa, Usos e costumes, felupes. Cota: s/cota. INEP

[152845] CISSOKO, Mário A.R.
Birassu : Povo e Escola: Nos Reinos Felupes e noutras regiões da margem direita do rio Cacheu / Mário A.R. Cissoko. - Bissau : ASDI, 1994. - 234 p. ; 30 cm. - Programa Educação pos-graduação. Copenhaguem - Bissau. Descritores: Guiné-Bissau, Cacheu, Felupes, Educação, Etnologia. Cota: 37.014.53(665.7). BPINEP.

[94194] ALMEIDA, Carlos Lehmann de
Inquérito etnográfico sobre a alimentação dos felupes / Carlos Lehmann de Almeida. In: Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. - Vol. 10, nº 40 (1955), p. 617-634. Descritores: África, Guiné Bissau, População autóctone, Alimentação humana, Felupes. Cota: PP373. AHM.

[154514] MOTA, Teixeira da
Músicos felupes / Teixeira da Mota. In: O Jornal Bolamense . - Ano III, Nº 31(Fevereiro de 1959), p 6. Descritores: Guiné Portuguesa, felupes, Profissão artística. Cota: s/cota. INEP.

[152247] JOURNET, Odile
Sens et fonction de la maladie en milieu Felup : Nord Guinée-Bissa: Rapport final du project : Prophylaxie et carences dans les systémes de protection et d'hygiéne infantiles, traditionnels et modernes, en Guinée-Bissau / Odile Journet, André Julliard, colab. Yves Gallot. - Lyon : A.D.R.E.S.S., 1987. - [5], 247 p. : map., quad. ; 30 cm. Descritores: Guiné-Bissau, felupes, Doença. Cota: 397+613.95(665.7)(047). BPINEP.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2398: Evocando os furriéis da 1ª CCA, João Uloma e Carlos França : Acreditas que ainda sonho com aquela cabeça ? (Jorge Cabral)

1. No dia 1 de Dezembro último, escrevi ao Jorge Cabral, que era o régulo de Fá Mandinga, quando a 1ª Companhia de Comandos Africanos se instalou, naquela localidade da Zona Leste (Sector L1, Bambadinca), aquando da sua formação. Recorde-se que o Jorge Cabral, ex-Alferes Miliciano de Artilharia, foi o comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71, e é autor da série Estórias Cabralianas.


Jorge: Como vais tu, querido amigo ?

Precisava que me identificasses o médico, periquito, que chegou à tua tabanca, Fá, com destino à 1ª Companhia de Comandos Africanos (CCA), em finais de 1969 ou princípios de 1970 (mais provavelmente, 1º trimestre de 1970) (1)... Eu estava lá, nessa noite, com o Capitão instrutor, o teu amigo Latérguy (que morreu há tempos) (2), quando ele chegou... Fizeram-lhe uma recepção à maneira, à comando, com fogo real, para o acagaçar... Estavas lá nessa noite ? Já não me lembro....

Julgo que era o Carlos França, médico, hoje especilialista em cuidados intensivos (pelo menos, vejo o seu nome associado a: Hospital de Santa Maria, Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos, Revista Portuguesa de Medicina Intensiva )...

Em 10/4/1981, saiu no semanário O Jornal um artigo - no dossiê "Memória da Guerra Colonial" (em que eu colaborei muito, com o saudoso Afonso Praça, da redação do jornal, inclusive deixei com ele muita documentação, que hoje gostaria de recuperar...) – sob o título "Arame farpado em tempo de massacre". Era assinado por Carlos França, que residia então em Oeiras...

Será o mesmo, o médico ?... Faz referências detalhadas ao Furriel felupe, Uloma, e à suas colecção de 32 cabeças.... Deves ter lido o artigo... Recordo-me de termos falado sobre isto na altura... Tu tentaste-me explicar o inexplicável, que era o comportamento do comando felupe Uloma, teu amigo... Sei que discutimos isso à luz do relativismo cultural e das cumplicidades tácitas da hierarquia de um exército de um país da NATO, civilizado... Foi então que retomámos os nossos contactos. Não nos víamos desde a Guiné.

Eis um excerto do citado artigo do Carlos França:

(...) Havíamos de sonhar, em longas noites de hospital, com tudo aquilo. Era barulho em náusea, com cheiro a 'Petidina' e pensos gangrenados, entre duas anestesias de ocasião.

Quanta insónia e, meu Deus, que tempo perdido, e que arrepio ao ver ainda o felupe 'Uloma', uma montanha de carne, automatizado no 'ronco' de matar, contar as cabeças inimigas do PAIGC.

Fazia colecção e era o seu 'curriculum' de guerrilheiro. Trinta e duas, conteu eu, expostas como troféus de guerra, circuito obrigatório, quase turístico de todos os militares que por lá passavam (...).



Um cabo da CCAÇ 12, o Encarnação, o nosso fotógrafo de serviço, tirou fotografias do Uloma com uma das suas cabeças, acabadas de cortar, numa operação a norte do Rio Geba, se não me engano... Terá sido numa das primeiras saídas da 1ª Companhia de Comandos Africanos, ainda no tempo do BCAÇ 2852...

Isto passou-se na parada de Bambadinca, fomos todos testemunhas (incrédulos mas passivos) da chegada do herói... Dizia-se, na altura, que a cabeça era de um pobre camponês que, em zona controlada pelo PAIGC, cultivava pacificamente a sua bolanha... As fotos (e os negativos) desapareceram, rapidamente, por ordem do comando de Bambadinca, que ficou extremamente nervoso com o insólito da situação...

Em resumo: Lembras-te do Carlos França ? Deve ser o mesmo da medicina intensiva, não ?... Vou tentar contactá-lo, a partir do Hospital de Santa Maria e da SPCI... Já agora, vou perguntar também aos nossos médicos do blogue, o Amaral Bernado e o Mário Bravo (... que são do Porto) se o conhecem ou conheceram... O Beja Santos não sei se já o apanhou... em Bambadinca... Talvez.

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Susana > 8 de Julho de 2007 > Antigo aquartelamento das NT > A espada felupe estilizada, onde se encontrava o mastro da bandeira (portuguesa).

Foto: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007)

2. Resposta do Jorge Cabral, em 3 de Dezembro último:

Querido Amigo,

Estive efectivamente na guerreira recepção do Médico Periquito, que ocorreu em Março de 70, tendo sido eu aliás, um dos mais entusiasmados. Era segundo creio, o Dr. Vasconcelos, homem de esquerda, que me tratou várias vezes e me salvou quando jejuei trinta dias, a conselho do meu assessor feiticeiro, o Nanque (3). Tenho quase a certeza, que ele também foi a Conacri [, no âmbito da Op Mar Verde, sob o comando de Alpoím Galvão]. A fotografia do Uloma (4), com a cabeça, foi tirada no Cais de Bambadinca, tendo tido um exemplar, que ofereci ao Padre Puim.

É das imagens que ainda não consegui esquecer. Naquela tarde, eu estivera com o Major Leal de Almeida [, supervisor da 1ª CCA,], em Bambadinca, a beber uns copos, antes de ir esperar os Comandos, à bolanha do Finete. E foi aí, que deparei com a cena. Primeiro olhei, e não acreditei.
- Quanto mortos fizeram ? - perguntou o Leal de Almeida.
- Dois confirmados - respondeu o Saiegh (6).
- E um confirmadíssimo! - retorquiu o Major.

O Uloma levou a cabeça para Fá, o que causou quase uma sublevação dos meus soldados que, nessa noite, se recusaram a dormir no quartel. Claro que conheci muito bem o cortador de cabeças, o qual de vez em quando era acometido por crises nervosas. Para o acalmar, matava-se uma galinha, derramando o sangue, sobre a sua cabeça.

Quanto ao mencionado França que escreveu no O Jornal, sempre o identifiquei com o furriel do mesmo nome, com quem convivi em Fá. Pertencia à Companhia de Comandos Africanos.

Penso que ficcionou um pouco, ao falar das 32 cabeças. Só se o Uloma as tivesse na sua Tabanca. Segundo o próprio me contou, cortada a cabeça do inimigo, a mesma era colocada na bolanha, de molho, e só depois uma parte dos miolos era comida... Obviamente que esta cerimónia acontecia em chão Felupe (4).

Parece, Querido Amigo, que tenho material para muitas estórias cabralianas.

Grande Abraço
Jorge

P.S.: Acreditas que ainda sonho com aquela cabeça?...

________

Notas de L. G.:

(1) Vd. post de 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)

(2) Barbosa Henriques, que foi instrutor da 1ª CCA:

Vd. posts de:

19 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1536: Morreu (1)... Barbosa Henriques, o ex-instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos (Luís Graça / Jorge Cabral)

19 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1611: Evocando Barbosa Henriques em Guileje (Armindo Batata) bem como nos comandos e na PSP (Mário Relvas)

(3) Vd. post de 3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro

(4) Vd. post de 1 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2397: Cusa di nos terra (12): Susana, chão felupe - Parte VII: O guerreiro João Uloma (Luís Fonseca)

Vd. posts desta série, da autoria do Luís Fonseca, ex-Fur Mil Trms (CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, 1971/73):

15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2052: Cusa di nos terra (5): Susana, Chão Felupe - Parte I (Luís Fonseca)

31 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2074: Cusa di nos terra (6): Susana, Chão Felupe - Parte II: Religião (Luís Fonseca)

5 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2081: Cusa di nos terra (7): Susana, Chão Felupe - Parte III: Trabalho, lazer, alimentação, guerra, poder (Luís Fonseca)

16 de Setembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2110: Cusa di nos terra (9): Susana, Chão Felupe - Parte IV: Mulher e Comunitarismo (Luís Fonseca)

6 de Outubro de 2007 >Guiné 63/74 - P2156: Cusa di nos terra (10): Susana, Chão Felupe - Parte V: Casamento (Luís Fonseca)

25 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2215: Cusa di nos terra (11): Suzana, Chão Felupe - Parte VI: Princípio e fim de vida (Luís Fonseca)

Sobre os felupes, vd. ainda a excelente página do nosso amigo e camarada Carlos Fortunato, que lidou com balantas e felupes, considerando semore estes superiores àqueles, como guerreiros: Guiné - Os Leões Negros > CCAÇ 13 > Bolama > Felupes(...)

(...) Adversários temíveis, os felupes possuem elevada estatura e grande robustez física. São referidos como praticantes do canibalismo no passado, são coleccionadores de cabeças dos seus inimigos que guardam ou entregam ao feiticeiro, e usam com extraordinária perícia arcos com setas envenenadas.

Embora se assegure que o canibalismo pertence ao passado, não era essa a opinião das restantes etnias, as quais referem igualmente que estes fazem os seus funerais à meia noite, pendurando caveiras nas copas das arvores, e dançando debaixo delas. O felupe é conhecido como pouco hospitaleiro para com as restantes etnias, pelo que existe da parte destas um misto de animosidade e desconhecimento.

Os felupes são igualmente grandes lutadores, fazendo da luta a sua paixão. Este desporto tão vulgarizado nesta etnia, prende-o, empolga-o, constituindo o mais desejado espectáculo (...).


(5) Ex-Alf Mil Capelão Puim, da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), vd. posts de:

5 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1925: O meu reencontro com o Arsénio Puim, ex-capelão do BART 2917 (David Guimarães)

17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1763: Quando a PIDE/DGS levou o Padre Puim, por causa da homília da paz (Bambadinca, 1 de Janeiro de 1971) (Abílio Machado)

(6) Zacarias Saiegh, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 52, ainda no tempo do Beja Santos, e depois Alferes, Tenente e Capitão da 1ª CCA. DE oriegm sírio-libanesa, já foi aqui evocado várias vezes, nomeadamente pelo Mário Beja Santos que com ele privou, em Missirá. Vd. posts de:

15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLIII: O Malan Mané estava vivo em Novembro de 1969 e eu abracei-o (Torcato Mendonça)

(...) O Zacarias Saiegh [da 1ª Companhia de Comandos Africanos] foi meu amigo. Era um homem extraordinário, ele e outros que foram meus camaradas e foram fuzilados. Nunca os esqueço e não sei perdoar (...).

23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

19 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1038: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (6): Entre o Geba e o Oio, falando do Saiegh e dos meus livros

(...) Saiegh na véspera, depois do jantar, dera-me um sinal de cortesia levando-se ao seu abrigo para bebermos um uísque. Olhando à volta do seu ambiente privado, vi frascos que me lembraram aqueles que se encontram nos laboratórios de biologia. Vendo-me intrigado, sopesando as palavras mas atirando-as a frio, esclareceu-me:
- São restos dos meus despojos. Aproveito sobretudo orelhas.

Aclarei a voz e fui cortante:
- Saiegh, ainda nada sei desta guerra, mas asseguro-lhe que a partir de hoje não haverá despojos humanos, nem relíquias nem troféus. Não trago ódios nem os vou despertar. Recordo-lhe que esta disposição é irrevogável.

Os olhos de Saiegh cuspiram fogo, mas ele conteve a dimensão da chama. Com o tempo, virei a saber que este descendente de sírio-libaneses também se movia por razões raciais, independentemente dos seus interesses económicos têm sido profundamente afectados pela luta de guerrilhas. O nosso conflito estava armado, mas passados estes anos todos reconheço que ele me deu uma colaboração exemplar, apagando-se progressivamente do mando e da decisão militar. Irei chorar amargamente no dia em que soube do seu fuzilamento (...).


16 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1081: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (11): Matar ou morrer, Saiegh ?

(...) Em meados do mês de Agosto, regressávamos do abastecimento em Bambadinca quando o Saiegh me mostrou triunfante, enquanto esperávamos a piroga, as insígnias em plástico que ele concebera para o Pel Caç Nat 52: era uma coisa assim apiratada com caveira e tíbias, um verde fluorescente e a frase "Matar ou Morrer". O meu olhar gelou e o Saiegh não resistiu a dizer-me: - Já vi que não gosta. Será por a iniciativa ser minha? (...).

30 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2317: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (11): O fantasma de Infali Soncó

(...) Na Casa Gouveia[, em Bissau,] compro chá e vou ao mercado com a lista na mão para satisfazer os pedidos dos meus soldados. A partir de agora e até jantar com Saiegh ando a cheirar a especiarias. Durante a tarde, procuro encontrar o Botelho de Melo, o meu milagroso oftalmologista, para lhe dizer que espero partir amanhã logo após a consulta do dentista, mas escreverei logo que saiba quando vier a Bissau.

O encontro com o Saiegh é muito agradável, tão agradável que vamos a pé pela estrada de Santa Luzia, onde nos despedimos prometendo eu uma visita a Fá, dentro de semanas. Tal nunca veio a acontecer, estou a despedir-me do Saiegh pela última vez, guardo o seu sorriso e a sinceridade da sua estima, tudo me vem à lembrança no dia em que soube do seu fuzilamento, oito anos depois (...).
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Guiné 63/74 - P2397: Cusa di nos terra (13): Susana, chão felupe - Parte VII: O guerreiro João Uloma (Luiz Fonseca, ex-Fur Mil TRMS)

Guiné > Região do Cacheu > Susana > Junho de 1972 > Cabeça do Comandante de Bigrupo do PAIGC, Malan Djata, cortada por elementos da população, felupe, após a sua captura na sequência de um ataque falhado ao aquartelamento de Susana. Segundo esclarecimento, acabado de dar pelo Luís Fonseca (estamos no concelho de Vila Nova de Gaia, eu neste momento na Madalena e ele presumivelmente em Gulpilhares, aqui ao lado, sem nos conhecermos pessoalmente), "naqueles momentos foi de todo impossível determinar o 'autor' da decapitação. Creio que nessa data, fins de Junho de 1972, o João Uloma nem sequer estaria em Susana"...


Guiné <> Susana > c. 1972 > Visita ao Alferes Comando João Uloma, por parte de jornalistas nacionais e estrangeiros, entre os quais uam equipa do New York Times. O então Cap Otelo Saraiva de Carvalho, da REP/ACAP (Assuntos Civis e Acção Psicológica), fez as honras da casa e o elogio do guerreiro felupe.

Texto e fotos: © Luiz Fonseca (2007). Direitos reservados.


1. Texto, de 19 de Dezembro último, do Luiz Fonseca, ex-Fur Mil Trms (CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, 1971/73), que tem aqui publicado uma série de apontamentos sobre o chão felupe (1):

Assunto - João Uloma...

Provavelmente mais uma vítima que um réu em todo o cenário da guerra. Provavelmente mais que usado e abusado, utilizando palavras tuas.

Conheci pessoalmente João Uloma haviam já decorrido largos meses de comissão. Mas o seu nome, dentro da etnia e tradição felupe, sempre nos chegou como símbolo de respeito e tido como exemplo. Daí a minha curiosidade pela pessoa.

Era de facto um guerreiro felupe, em estatura. Dos seus predicados operacionais não posso nem devo emitir qualquer comentário pois não tive oportunidade de os constatar.

A imagem que junto é prova de mais uma das demonstrações da utilidade do João Uloma. Durante uma das muitas visitas de jornalistas, nacionais e estrangeiros, esta creio que do New York Times (Alice Barstow e John Burton), ao chão Felupe, ele é apresentado como um herói na defesa do território.

O enquadramento é oficial, com direito a DO privada, e com pessoal da REP/ACAP presente (Cap Otelo Saraiva Carvalho), que faz as honras da casa, com o respectivo e longo elogio. Ao lado esquerdo do João Uloma, seu pai, homem grande da tabanca.

Foi uma das suas poucas visitas a Susana durante a minha comissão, que me recorde apenas mais duas vezes, sempre por períodos de tempo relativamente curtos.

Nessas ocasiões não era demasiado visível, diria que era até recatado. Dedicava-se à caça, quando tal era possível e a algum convivio com camaradas dos seus tempos de Pelotão 60, quase todos.

Não era uma visita constante no aquartelamento, aparecia de quando em vez, e, quando picado, relatava algumas das suas histórias, sendo no entanto parco em detalhes, o que me pareceu estranho face ao que dele se propalava.

Na sua morança não existiam, pelo menos nas casas que vi, crâneos de inimigos, o que já não sucedia em muitas outras moranças de outros guerreiros menos notáveis. Tal trofeú era, para um felupe, apanágio de valentia e quantas mais cabeças tivesse cortado mais respeitado era.

Diga-se que esse foi o encontro com o destino do Cmdt Bigrupo Malan Djata quando, em Junho de 1972, foi capturado, após ataque falhado a Susana. Mesmo com a oposição do graduado da CCAV 3366 ("tu ou ele") cumpriu-se o ritual...

Essa tradição ancestral marcava ainda a vida daqueles que sentiram o primeiro impacto de uma guerra que jamais foi sua, pelo menos no sentido de libertação, porque isso os Felupes foram-no sempre, desde o tempo da luta contra a dominação mandinga: Livres!

Acrecente-se que a imagem que envio, deixando a sua edição ao vosso critério, foi já aproveitada por João Melo (Os anos da guerra - II volume, Cap. III - Operação Nó Górdio -Moçambique - pg. 51 - Circulo de Leitores e Publicações D. Quixote) tendo eu alertado o autor da imprecisão. Nunca soube se recebeu a missiva.

Do Alf Comando João Uloma guardo uma placa dos Comandos Africanos, oferecida, não sei porque razão especial, já no final da minha estada no seu Chão. Recordo ter havido alguém que lhe pediu o crachat de Comando o que ele recusou afirmando que "aquele era dele até à morte"... Premonição...

Sobre a sua morte poderei afirmar que não foi fuzilado, mas sim morto por espancamento, à paulada, creio que em Brá, para onde teria sido convocado para ser integrado no novo exército (2).

De felupes ao serviço das NT, em número relativamente reduzido, tanto quanto me foi referido posteriormente por um militar guinéu do Pel [Caç Nat] 60, não teria havido mais desaparecidos, já que a grande maioria e após lhe terem sido retiradas as armas optou por se refugiar na região do Casamance (Senegal) ou voltar à vida civil embora com uma ameaça velada ("tropa tira arma mas fica com arco e flecha, para lutar contra bandido"). Tal terá sido a sorte que coube ao primeiro comissário político dos novos senhores que apareceu na zona, ser morto e corpo sem cabeça (degolado ritualmente com a curta faca felupe?) para não voltar a nascer noutra qualquer tabanca.

Se os meus editores me permitem, nesta faca de dois gumes, ficaria por aqui e não virava o gume para a outra face pois poderia ferir susceptilidades de alguns, de ambos os lados, que, com as suas tomadas de posição e demonstrações de poder, em nada honraram os militares que nasceram, passaram, lutaram e ficaram naquele território.

Penso voltar ao assunto.

Por hoje

Kassumai

Luiz Fonseca
ex-Fur Mil Trms CCAV 3366

2. Comentário de L.G., em resposta ao Luiz Fonseca:

Luiz Fonseca:

É um notável texto teu, assertivo, objectivo, que ajuda a compreender melhor o comportamento do João Uloma ao serviço das NT... (Conheci-o, superficialmente, nos comandos, em Fá) (3).... Não o vou publicar já, sobretudo por causa da foto do comandante do PAIGC, degolado... Por estarmos na altura do Natal, e isso poder ferir algumas pessoas mais sensíveis... Fá-lo-emos a seguir, ao Natal...

A ti, peço-te que entretanto completes o texto... Sei que não queres ferir susceptibilidades, de um lado e de outro... Mas, bolas, tu podes falar de cátedra, como ninguém, porque conheceste o João e os felupes, os seus costumes, o seu chão... Se deixas o dossiê inacabado, é pior...

Passados estes anos todos, temos o direito à verdade... No meu tempo, o João cortava cabeças, com o beneplácito (?) dos seus superiores hierárquicos... Ele estava nos comandos africanos e havia a cultura do ronco... Temos de perceber tudo isto: havia homens, muito perturbados, nos comandos, com comportamentos patogénicos... Não estou sugerir nomes...E evito julgá-os. Hoje quero compreendê-los...

Luiz: Connosco estás à vontade, não há tabus... Peço-.te, portanto, que não deixes o assunto "para melhor oportunidade", o que na nossa terra equivale a dizer "para as calendas gregas" ou para o Dia de São Nunca... Aqui não conhecemos amigos e protegidos... Mas, claro, tens sempre o direito de omitir nomes... Boas Festas. Kassumai.

Luís Graça

PS - Luiz, não chegaste a receber o livro do pai do Pepito sobre os costumes jurídicos do felupes, pois não?! Creio que o Pepito enganou-se no nome, e em vez de mandar para ti, mandou para um outro gajo que ainda não descobri quem é... e que se antecipou a ti.
____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 6 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2244: Cusa di nos terra (12): Ainda vi burros em Bafatá (Beja Santos)

(2) Vd. post de 23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

(3) Vd. post de 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)

quarta-feira, 6 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1052: Pel Caç Nat 63: A paz em Missirá (Jorge Cabral)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Missirá > 1971 > Jorge Cabral, comandante do Pel Caç Nat 63, o mais paisano dos oficiais milicianos que eu conheci na Guiné (LG)

Foto: © Jorge Cabral (2006)


Texto enviado, em 24 de Agosto último, pelo nosso camarada Jorge Cabral (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71)

Amigo,


Sei que é tempo de férias, mas aí vai texto acompanhado de fotografia onde apareço arranjadinho para ir a Bambadinca.


Tenho aproveitado estes dias para revisão do material publicado no blogue, o qual merece um estudo.


Por ora, um Abração, com votos de descanso e Paz.


Jorge



A Paz em Missirá

Estivemos lá, é certo. Alguns nos mesmos sítios. Iguais foram os sons, as cores, os cheiros. Diferentes as memórias… O que recordamos e o que esquecemos, tem a ver com o que fomos lá e ao longo da vida, e reflecte a nossa forma de estar e ser, quase quarenta anos passados.

É impossível sentir o que sentíamos e pensar o que pensávamos, então. O que agora contamos surge filtrado pelo tempo, pela razão, pela experiência da vida. Tentamos reconstruir o ontem, com a cabeça de hoje e dessa forma moldamos uma realidade, a nossa verdade, inteiramente lícita e legítima, mas não obviamente única.

Menos de um ano após a saída do Beja Santos, fui eu para Missirá. Já contava quinze meses de comissão, conhecia o Mato Cão, passara uma temporada em Finete, e convivera com o Saiegh, o qual me havia informado sobre o que iria encontrar.

Missirá constituía um Destacamento isolado, de importância quase simbólica, e com diminuta capacidade de intervenção, numa área de forte implantação do PAIGC. As operações na zona eram escassas. Enquanto lá estive, apenas tomei parte em duas. Fui, a título individual, com os Páras a Madina/Belel, creio que em Abril de 1971, e com a CCAÇ 12 a Salá, já em Julho do mesmo ano.

Assim, e com exclusão das Seguranças em Mato Cão, a actividade operacional resumia-se a alguns patrulhamentos, o que me deixou tempo para passear. Gostava muito de ir pescar à granada, no rio Gambiel, junto ao qual fiz um prisioneiro que praticamente se entregou com arma e tudo, e me forneceu informações curiosas sobre os comerciantes de Bambadinca… Levei-o ao Batalhão, onde inventaram uma ordem de patrulhamento, que eu cumprira com óptimos resultados…

Também tentei, e quase consegui, restabelecer a ligação rodoviária com o Enxalé, como já relatei. Comigo, nunca o quartel foi atacado, o que me levou a pensar que os turras se haviam transferido, apesar de encontrar vestígios da sua passagem, presumivelmente para Mero. Aliás, por essas bandas encontrei um porco, não tendo percebido se o animal havia fugido, ou se se tratava de uma oferta… Comido foi e em festa…

Ainda hoje não compreendo as razões desta Paz, tanto mais que quando visitei Madina/Belel (1), constatei o poder e importância da base ali existente. Bem armada e com significativa guarnição, possuía abrigos, posto de socorros, escola e um recheado depósito de víveres, com centenas de quilos de arroz. Teria o respectivo Comandante, Corca Só, sido atacado de preguiça? Ou convencera-se do meu inventado parentesco com Amílcar Cabral? (2)

Claro que tão estranha quanto pacífica situação gerou opiniões, palpites, invenções, dizendo-se no Batalhão que eu era amigo dos turras. Quanto aos Africanos, não tinham dúvidas.:
- Alfero Cabral tem grande feitiço.

Estou em crer que tinham razão!

Jorge Cabral


P.S.

1. É verdade que sofri três mortos e um ferido, mas por via de minas, que rebentaram sempre atrás de mim. Quando teriam sido colocadas?

2. Constitui uma dolorosa surpresa a revelação de que o meu Amigo Saiegh coleccionava orelhas. Conheci-o muito bem, cheguei a jantar em casa dele, em Bissau, e nunca suspeitei que se dedicasse a semelhantes práticas. Antes pelo contrário, quando aconteceu o tristíssimo episódio da cabeça cortada pelo João Uloma, o Saiegh foi dos poucos da Companhia de Comandos Africanos a criticar o feito (3).

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Notas de L.G.

(1) V. post de 27 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P918: Operação Tigre Vadio (Março de 1970): uma dramática incursão a Madina/Belel (CAÇ 12, Pel Caç Nat 52 e outras forças)

(2) Vd. post de 5 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXI: Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum...

(3) Vd. posts de:

19 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1038: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (6): Entre o Geba e o Oio, falando do Saiegh e dos meus livros

23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri